segunda-feira, 27 de setembro de 2010

A Universidade no caminho capitalista: uma pequena reflexão sobre a condição da universidade atual sob a perspectiva de Barnett, Morin, Cunha e Sousa Santos.

Os textos dos autores que aqui nos interessam, dentro de suas complexidades, procuram tratar no geral do mesmo objeto: a universidade contemporânea em tempos complexos. Embora ambos tratem do mesmo corpus, ele aparecerá em suas obras de maneiras distintas.
Pensar em tal condição, apontam no geral,  seria questionar, sobretudo, os aspectos epistemológicos que uma reflexão desse tipo levaria em relação à constituição da universidade, sua estrutura física, sua constituição como meio de elaboração de conhecimento, seus aspectos científicos e sua relação com a sociedade. Como na atualidade vivemos momentos transformadores, ela necessitaria realizar uma auto-reflexão sobre seu caráter, pois se vivemos sob a emergência de um “novo sujeito”, mais técnico - as condições atuais capitalistas implicariam um novo estatuto de sujeito como objeto, como mercadoria - necessitaríamos de “outra ciência” constituída por aquele "novo sujeito", capaz de dar conta das novas necessidades. Desta forma, a Universidade como espaço por excelência de homens e mulheres do conhecimento deve levar em conta nesse “processo de revisão” a própria ciência que ela concebe.
Perece-nos que neste contexto, Barnett e Morin concordam expressamente que nos encontramos em uma “nova era”, a pós-modernidade, que revelaria uma complexidade inigualável em relação à anterior o que exigiria daquele espaço de conhecimento um trabalho mais árduo em dar conta dessas novas condições. Para o primeiro, essa capacidade de corresponder às necessidades está ligada a uma ideia de “radicalidade”, um mundo “super-complexo” da “incerteza”, que exigiria uma atuação com o mesmo peso: “liderar tal incerteza” (p. 183). Isto visaria desmistificar o incerto como um "mundo impossível de se viver" pois essa condição já é superada na realidade. Para ele já habitamos nessa complexidade e de certa forma já temos conhecimento de como ela pode ser tratada, cabendo dar-lhe nossa cota de complexibilidade: 

A través de sus propios productos de conocimiento, de una diversidad extraordinariamente rica, la universidad ha contribuido, ciertamente, a crear um mundo incierto. Ahora, esse mismo mundo Le pide que contribuya a encontrar el camino en médio de uma incertitumbre radical” (p. 190-191, 2002).
                
            Aceitando o mesmo paradigma de que já nos encontramos em uma "nova era", Morin também defenderá a sensibilidade por parte da universidade a essa complexidade incerta que assola a sociedade, reflexo de um momento histórico "novo" inaugurado pelo capitalismo. Mas ao contrário da defesa de Barnett no trato dessas novas condições, Edgar Morin defenderá que o campo do conhecimento deve enxergar tal incerteza não de forma radical: “(...) é preciso pensar com e na incerteza, mas não a incerteza absoluta, porque sempre navegamos num oceano de incertezas por meio de arquipélagos de certezas locais” (p. 35, 2002). Ou seja, a incerteza absoluta para ele seria própria do caos  em que vivemos, pelos “arquipélagos de certezas” ou de imposições de pontos de vistas, portanto, precisamos pensar e dar sentido a esse caos para revertê-lo de uma neurose histórica a ideias libertárias e não prisioneiras. A universidade seria esse local de onde surgiriam possíveis abertura para este conhecimento complexo.
            No caso de Maria Isabel da Cunha, em conjunto com Sousa Santos, vivemos também em momentos de extrema complexidade, mas ao contrário dos anteriores, não deixam claro que essa condição seja reflexo de "nova era". Eles defendem que vivemos momentos de noeliberalismo que implica a toda sociedade desregulações e regulações ideológicas que dão sustentabilidade às suas concepções:

O Estado-Avaliador, entretanto, vem reforçando o pilar da regulação, reinstituindo o processo de relações colonialistas na relação sujeito-objeto. Essa perspectiva foi particularmente enfatizada resignificada pela chamada globalização, dentro da tendência neoliberal, que fortemente vem impondo-se como se fosse uma única alternativa de desenvolvimento, especialmente para os países dependentes (CUNHA, p. 15-16, 2006).
           
            Essas atuações do Estado neoliberal incidem mais fortemente como podemos verificar em países periféricos fazendo com que o conhecimento que é produzido nas Universidades dessas regiões permaneça dependente de um centro emanador formado por Europa e Estados Unidos. Assim, os autores reconhecem que isso faz parte de um problema de alcance global, mas que nesse reconhecimento cabe enfatizar que há uma diferença entre os países “centrais” e os “marginais” o que revela uma questão regional a ser resolvida na qual “o pensamento moderno ocidental é um "pensamento abissal" (uma linha invisível que torna inexistente tudo o que existe para o outro lado da linha)” (SANTOS). Tal caracterização aponta para uma emergência de autonomia daquelas formas de pensamento do outro lado da linha esférica global.
            Assim, todos os autores aceitariam a ideia de que a Universidade pela influência que causa na sociedade seria o local adequado no qual espelharia o “pandemónium” da sociedade, sendo ela parte constitutiva dela em meio a essa condição urgente de compreensão e atuação deste “estado caótico”. Tal atuação viria, sobretudo, através uma "outra forma" de se "fazer conhecimento" ligado à colaboração ou "solidariedade" não só entre as disciplinas, mas principalmente entre professor e aluno. Haveria assim uma outra relação entre os sujeitos e seus objetos de conhecimento; uma categoria "nova" de "entes" a qual se daria pela relação: um "ser" que não se encontra mais em si, mas na relação com o "outro".
JC.

Bibliografia: BARNETT, R. Claves para entender la universidad em uma era de supercomplejidad; CUNHA, Maria Isabel da. Pedagogia Universitária: Energias emancipatórias em tempos neoliberais; MORIN, Edgar. A Reforma Universitária e SANTOS, Boaventura de Sousa. Para além do pensamento Abissal.

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