segunda-feira, 27 de setembro de 2010

"CONSTRUÇÃO" (Chico Buarque)


 
 


Amou daquela vez como se fosse a úl___tima
   Beijou sua mulher como se fosse a úl___tima   E cada filho seu  como se fosse o único
E atravessou a rua com seu passo tí___________mido
        
Subiu a construção como se fosse má___quina
   Ergueu no patamar quatro paredes só___lidas
   Tijolo com tijolo num desenho mágico
Seus olhos embotados de cimento e lá___________grima
        Sentou pra descansar como se fosse sá___bado
   Comeu feijão com arroz como se fosse um prín___cipe
   Bebeu e soluçou como se fosse um náu____frago
Dançou e gargalhou como se ouvisse mú___________sica
        E tropeçou no céu como se fosse um bê___bado
   E flutuou no ar como se fosse um pá___ssaro
   E se acabou no chão feito um pacote flácido
Agonizou no meio do passeio pú___________blico
        Morreu na contramão atrapalhando o trá___fego
   Amou daquela vez como se fosse o úl___timo
   Beijou sua mulher como se fosse a ú___nica
   E cada filho seu como se fosse o pródigo
E atravessou a rua com seu passo bê___________bado
        Subiu a construção como se fosse só___lido
   Ergueu no patamar quatro paredes má___gicas
   Tijolo com tijolo num desenho lógico
Seus olhos embotados de cimento e trá___________fego
Sentou pra descansar como se fosse um prín___cipe
   Comeu feijão com arroz como se fosse o má___ximo
   Bebeu e soluçou como se fosse má____quina
Dançou e gargalhou como se fosse o pró___________ximo
        E tropeçou no céu como se ouvisse mú___sica
   E flutuou no ar como se fosse sá___bado
   E se acabou no chão feito um pacote tímido
Agonizou no meio do passeio nau___________frago
   Morreu na contramão atrapalhando o pú___blico
   Amou daquela vez como se fosse má__quina
Beijou sua mulher como se fosse ló___gico
Ergueu no patamar quatro paredes flá______cidas
Sentou pra descansar como se fosse um pás__saro
E flutuou no ar como se fosse um prín_____cipe
E se acabou no chão feito um pacote bê___________bado
        Morreu na contramão atrapalhando o Sá___bado
         Por esse pão pra comer, por esse chão pra dormir
         A certidão pra nascer e a concessão pra sorrir
         Por me deixar respirar, por me deixar existir
Deus      lhe                     pague
         Pelo prazer de chorar e pelo "estamos aí"
         Pela piada no bar e o futebol pra aplaudir
         Um crime pra comentar e um samba pra distrair
Deus      lhe                     pague
         Por essa praia, essa saia, pelas mulheres daqui
         O amor malfeito depressa, fazer a barba e partir
         Pelo domingo que é lindo, novela, missa e gibi
Deus      lhe                     pague
         Pela cachaça de graça que a gente tem que engolir
         Pela fumaça, desgraça, que a gente tem que tossir
         Pelos andaimes, pingentes, que a gente tem que cair
Deus      lhe                     pague
         Por mais um dia, agonia, pra suportar e assistir
         Pelo rangido dos dentes, pela cidade a zunir
         E pelo grito demente que nos ajuda a fugir
Deus      lhe                     pague
         Pela mulher carpideira pra nos louvar e cuspir
         E pelas moscas-bicheiras a nos beijar e cobrir
         E pela paz derradeira que enfim vai nos redimir
Deus      lhe                     pague

Uma reflexão sobre a política educacional em tempos neoliberais.

É possível que ainda um dos grandes desafios da Política Educacional no Brasil seja a democratização de gestão e participação da sociedade na educação, bem como a real inserção coletiva daqueles que atuam pedagogicamente no processo educativo. Neste contexto, há uma necessidade de se pensar na adequação dos esforços que envolvem direta ou indiretamente, incluindo neles desde a lei regulamentada, passando pelos investimentos que lhe garante vida e, sobretudo, a prática pedagógica escolar às atividades reais que se desempenham na escola por colegiados, alunados e comunidade.
Em outras palavras, pelo que temos acompanhamos em autores, entre outros, como Palma, Soares, Bauman, Tavares, sobretudo Azanha ao propor uma revisão dos sentidos dos conceitos no universo educacional, como autonomia e democracia, há uma emergência de se criar condições que possam contribuir com a efetivação na prática do universo geral teórico da educação. Ou seja, aproximar tudo aquilo de caráter teórico, o regimento da lei, incluindo nele objetivos educacionais, prescrição pedagógica, estrutura escolar, fundos de investimento etc. à sua possibilidade real de prática.
Com isso, um dos grandes entraves que nos parece contribuir para a não aproximação é justamente os aspectos contraditórios que o separam ou desarranjadamente são acomodados pela união de uma prescrição que traz muitas vezes no seu interior a própria dificuldade de sua aplicação e efetivação. Isto é, a norma que estabelece participação democrática no processo educativo, mas que determina a relação de hierarquização entre os membros envolvidos. Assim, teríamos na teoria uma regulamentação que traz em si mesma a dificuldade real de sua aplicabilidade. Ou melhor, uma inadequação na teoria e entre ela e sua prática.
Por exemplo, em se tratando de política educacional em tempos contemporâneos marcada pela globalização há uma necessidade de tornar determinados setores mais eficientes, lógica essa do capital privado, mas que passa a ser atribuído ao público: “É da natureza do modo de produção capitalista, a incessante busca de novos processos tecnológicos que viabilizem o incremento da produção. Essa característica, aliás, tem garantido a sua longa sobrevivência (Ianni, 1995). Nos dias atuais, é nesse contexto que atua o estado capitalista (PALMA, UNIVEP, p. 2)”.
Como então adequar os preceitos do processo educativo que visa à inserção do alunado na sociedade por meio do conhecimento, da cultura a uma determinação preconcebida de “eficiência”? Neste processo inevitavelmente devem conter preceitos no novo modelo de educação para sua “utilidade” prática que tem por horizonte uma “eficiência” baseada na produção e mercado capitalista. O privado passa equivocadamente a determinar de antemão o público.
Outros problemas que decorrem dessa relação, ainda sob a concepção de eficiência, são as representações das concepções de “autonomia” e de “democracia” da gestão educacional. A primeira visaria a capacidade administrativa da escola e a capacidade intelectual dos membros envolvidos nela independentes da determinação direta das instâncias Federal, Estadual e Municipal, e a segunda visaria a participação coletiva do corpo escolar mais sociedade civil em todos os processos que envolvem a educação.
Nesta perspectiva, parece haver uma tentativa de adequá-las sob um “modelo” a partir do que se tem hoje da burocracia do setor público educacional, apontado muitas vezes como ineficiente, com as últimas teorias da administração empresarial. São visadas em tal situação duas lógicas que são marcadas por características bem distintas: a formação e a inserção do homem na sociedade através do conhecimento e da cultura, o que é difícil de ser medida, pois o cidadão não é avaliado pela sua quantidade de aspectos que denotem a cidadania, mas pela sua qualidade de “ser social”, o que já é muito amplo. E a “eficiência” do trabalho tendo por perspectiva o lucro que pode ser medido e que pode numa inversão lógica avaliativa aplicada a uma concepção de eficiência que revela ou não alta produtividade ou rendimento.
Nesse amálgama de bricolagens relutantes, podemos pensar rapidamente de uma outra maneira aquelas lógicas, pela estrutura administrativa de caráter público e privado, porque, em primeiro lugar, a escola também possui uma organização administrativa, e, em segundo, porque como vimos acima em Palma, em uma sociedade capitalista o Estado também passa a se estruturar sob a égide do capital; assim, a experiência administrativa do capital passa a determinar a pública.
O problema que observamos em tal cosimento é que há duas relações que são estabelecidas entre os membros de cada instância, pública e privada: se no Estado o que se visa segundo a legislação é a democracia do processo educacional, incluindo aí sua gestão, o mesmo é ilógico na produção do capital privado, pois as relações que se estabelecem nela estão sob a perspectiva da hierarquia, entre aqueles que detêm o poder e aqueles que não. Nela, no limite, há a possibilidade da participação sugestiva, mas não de decisão, votação. E mesmo neste caso muitas vezes seria uma sugestão requerida, permitida pelo superior imediato e não aquela que é pautada pelo comprometimento da iniciativa democrática. Haveria sim em ambos os casos uma autonomia intelectual, mas não haveria o espaço para a exposição espontaneamente dela que não fosse pelo caráter democrático-participativo.
Ao que parece é sob essa relação ou tentativa de adequação que as instâncias governamentais vêm tentando acomodar a Política Educacional de onde têm surgido vários problemas para sua efetivação. O que para muitos críticos tem demonstrado até agora não ser o melhor caminho.
Se o intuito atualmente é a participação e a democratização da educação, como poderia dar certo uma relação que se estabelece sob o modelo técnico-administrativo recomendado pelos órgãos mundiais de desenvolvimento usado no setor empresarial privado que visa uma eficiência quantitativa? Este parece ser um importante problema a resolver.
JC.

A Universidade no caminho capitalista: uma pequena reflexão sobre a condição da universidade atual sob a perspectiva de Barnett, Morin, Cunha e Sousa Santos.

Os textos dos autores que aqui nos interessam, dentro de suas complexidades, procuram tratar no geral do mesmo objeto: a universidade contemporânea em tempos complexos. Embora ambos tratem do mesmo corpus, ele aparecerá em suas obras de maneiras distintas.
Pensar em tal condição, apontam no geral,  seria questionar, sobretudo, os aspectos epistemológicos que uma reflexão desse tipo levaria em relação à constituição da universidade, sua estrutura física, sua constituição como meio de elaboração de conhecimento, seus aspectos científicos e sua relação com a sociedade. Como na atualidade vivemos momentos transformadores, ela necessitaria realizar uma auto-reflexão sobre seu caráter, pois se vivemos sob a emergência de um “novo sujeito”, mais técnico - as condições atuais capitalistas implicariam um novo estatuto de sujeito como objeto, como mercadoria - necessitaríamos de “outra ciência” constituída por aquele "novo sujeito", capaz de dar conta das novas necessidades. Desta forma, a Universidade como espaço por excelência de homens e mulheres do conhecimento deve levar em conta nesse “processo de revisão” a própria ciência que ela concebe.
Perece-nos que neste contexto, Barnett e Morin concordam expressamente que nos encontramos em uma “nova era”, a pós-modernidade, que revelaria uma complexidade inigualável em relação à anterior o que exigiria daquele espaço de conhecimento um trabalho mais árduo em dar conta dessas novas condições. Para o primeiro, essa capacidade de corresponder às necessidades está ligada a uma ideia de “radicalidade”, um mundo “super-complexo” da “incerteza”, que exigiria uma atuação com o mesmo peso: “liderar tal incerteza” (p. 183). Isto visaria desmistificar o incerto como um "mundo impossível de se viver" pois essa condição já é superada na realidade. Para ele já habitamos nessa complexidade e de certa forma já temos conhecimento de como ela pode ser tratada, cabendo dar-lhe nossa cota de complexibilidade: 

A través de sus propios productos de conocimiento, de una diversidad extraordinariamente rica, la universidad ha contribuido, ciertamente, a crear um mundo incierto. Ahora, esse mismo mundo Le pide que contribuya a encontrar el camino en médio de uma incertitumbre radical” (p. 190-191, 2002).
                
            Aceitando o mesmo paradigma de que já nos encontramos em uma "nova era", Morin também defenderá a sensibilidade por parte da universidade a essa complexidade incerta que assola a sociedade, reflexo de um momento histórico "novo" inaugurado pelo capitalismo. Mas ao contrário da defesa de Barnett no trato dessas novas condições, Edgar Morin defenderá que o campo do conhecimento deve enxergar tal incerteza não de forma radical: “(...) é preciso pensar com e na incerteza, mas não a incerteza absoluta, porque sempre navegamos num oceano de incertezas por meio de arquipélagos de certezas locais” (p. 35, 2002). Ou seja, a incerteza absoluta para ele seria própria do caos  em que vivemos, pelos “arquipélagos de certezas” ou de imposições de pontos de vistas, portanto, precisamos pensar e dar sentido a esse caos para revertê-lo de uma neurose histórica a ideias libertárias e não prisioneiras. A universidade seria esse local de onde surgiriam possíveis abertura para este conhecimento complexo.
            No caso de Maria Isabel da Cunha, em conjunto com Sousa Santos, vivemos também em momentos de extrema complexidade, mas ao contrário dos anteriores, não deixam claro que essa condição seja reflexo de "nova era". Eles defendem que vivemos momentos de noeliberalismo que implica a toda sociedade desregulações e regulações ideológicas que dão sustentabilidade às suas concepções:

O Estado-Avaliador, entretanto, vem reforçando o pilar da regulação, reinstituindo o processo de relações colonialistas na relação sujeito-objeto. Essa perspectiva foi particularmente enfatizada resignificada pela chamada globalização, dentro da tendência neoliberal, que fortemente vem impondo-se como se fosse uma única alternativa de desenvolvimento, especialmente para os países dependentes (CUNHA, p. 15-16, 2006).
           
            Essas atuações do Estado neoliberal incidem mais fortemente como podemos verificar em países periféricos fazendo com que o conhecimento que é produzido nas Universidades dessas regiões permaneça dependente de um centro emanador formado por Europa e Estados Unidos. Assim, os autores reconhecem que isso faz parte de um problema de alcance global, mas que nesse reconhecimento cabe enfatizar que há uma diferença entre os países “centrais” e os “marginais” o que revela uma questão regional a ser resolvida na qual “o pensamento moderno ocidental é um "pensamento abissal" (uma linha invisível que torna inexistente tudo o que existe para o outro lado da linha)” (SANTOS). Tal caracterização aponta para uma emergência de autonomia daquelas formas de pensamento do outro lado da linha esférica global.
            Assim, todos os autores aceitariam a ideia de que a Universidade pela influência que causa na sociedade seria o local adequado no qual espelharia o “pandemónium” da sociedade, sendo ela parte constitutiva dela em meio a essa condição urgente de compreensão e atuação deste “estado caótico”. Tal atuação viria, sobretudo, através uma "outra forma" de se "fazer conhecimento" ligado à colaboração ou "solidariedade" não só entre as disciplinas, mas principalmente entre professor e aluno. Haveria assim uma outra relação entre os sujeitos e seus objetos de conhecimento; uma categoria "nova" de "entes" a qual se daria pela relação: um "ser" que não se encontra mais em si, mas na relação com o "outro".
JC.

Bibliografia: BARNETT, R. Claves para entender la universidad em uma era de supercomplejidad; CUNHA, Maria Isabel da. Pedagogia Universitária: Energias emancipatórias em tempos neoliberais; MORIN, Edgar. A Reforma Universitária e SANTOS, Boaventura de Sousa. Para além do pensamento Abissal.

O professor que trago na memória.


Uma corrente tradicional da psicologia, podemos dizer que a freudiana, quase estabeleceu como consenso que quando em adulto nos colocamos a rever nosso presente reconhecemos nele determinações de um passado bem distante. Fatos que nos teriam ocorrido na infância que marcariam o nosso futuro adulto. Um aspecto muito importante seria a fase escolar infantil que através de nossa proximidade com nossos professores, uma espécie de pais de primeira hora, exerceriam grande influência em nosso caráter.
Posso dizer que em se tratando de minha trajetória de vida escolar em parte esse quase silogismo faz algum sentido. Hoje, posso dizer que sofri influências de um determinado professor que marcou definitivamente minha formação. Mas ao contrário do que pregaria aquela corrente essa influência não ocorreu quando eu era criança ou adolescente e sim já na minha fase adulta.
Dos professores que guardo em minha memória, o que me faz relembrá-lo sempre que vou atuar como educador, tanto em preparação de planos pedagógicos quanto em minha atuação em salada aula, o mais importante foi um dos que tive na universidade no bacharel. Recordo-me de que ele tinha um entusiasmo quase que “mágico” em tratar dos assuntos como que se estivesse desenvolvendo, descobrindo, os mais preciosos segredos. Uma empolgação que se iniciava modestamente mas que ia tomando corpo até seu ápice.
Acredito que para mim aquelas aulas tenham me marcado profundamente porque elas me trouxeram um aspecto que considero fundamental para o desenvolvimento cognitivo do sujeito que seria o sentido das coisas, das palavras. Ali percebi que muito mais importante do que encontrar verdades absolutas era dar sentidos claros a ideias; sentidos esses que me resgatariam de um universo fechado, “silopsístico”, e me colocaria em conexão com o outro. Depois dessa experiência pude perceber que minha própria vivência passou a possuir mais finalidade, pois aquilo que sentia e sabia tornaram-se expressivamente melhor. A partir de então fui apresentado a uma das grandes finalidades da vida que é dar e encontrar sentidos para os objetos.
Isto pode parecer à primeira vista um fim religioso, ou seja, uma pessoa que encontra um meio de satisfazer e suprir seus anseios. Mas é justamente o contrário, primeiro porque o que menos existe é satisfação, já que vejo-me, como provavelmente meu professor se via, insatisfeito buscando cada vez mais suprir o preenchimento do vazio, da falta de sentido; segundo porque não digo que tomei isto como uma crença, pois não sou um objeto como receptor de verdades, mas um sujeito inquietante que se incomoda com aquilo que é posto diante de si. Porém, em parte, posso dizer que antes de ter conhecimento de que as coisas poderiam conter sentidos vivia em um universo vazio, reprodutório. Com a chegada desta “novidade” posso dizer que “meus olhos se abriram” para nunca mais se fecharem.
Posso ainda dar a impressão de que carrego comigo certa visão positivista em relação ao conhecimento, contudo penso que minha parte pragmática me resgata dessa ilusão, já que não vejo que é o método que busca por si mesmo os sentidos, mas estes são buscados pela inquietude voluntária que passou a habitar dentro de mim.
Voltando à prática do professor, ela se fazia por meio de um aspecto muito simples, pelo estabelecimento de relação entre o objeto e seu signo, isto é, o que as palavras enquanto nomes têm a ver com os objetos que elas procuram nomear em certas circunstâncias e qual sua relação com a vida real, social e política. Podemos dizer então que sua grande atenção se voltava para o uso das palavras, quase que uma visão hermenêutica, que, no entanto, ligavam-se ao sentido que elas queriam transmitir a partir de seus objetos em meio à vida real dos sujeitos.
Assim, o ponto central era procurar sentidos válidos que possibilitavam o entendimento. Entendimento este das coisas, o compreender o outro e fazer-se entender pelo outro, que de forma alguma não se colocava como verdade absoluta, pois os sentidos eram trabalhados em conjunto conosco, alunos. Suas aulas eram um debate construtivo por meio de sentidos.
            Um hábito era no início de todas as aulas retomar o assunto que foi tratado anteriormente, para a partir desse resgate sistemático inserir o tema do dia que, ao final dele, sinalizaria para o próximo assunto. Assim trabalhávamos sob uma cadeia de ideias, quase que cartesiana, mas que tinham sempre relação com o objeto real. Tais ideias não imperavam absolutamente, sempre havia uma discussão sobre qual sua aplicabilidade na vida real.
Em parte, acabei incorporando um pouco dessa prática em minha vida de educador. Acredito que o sujeito, sobretudo os adolescentes, como dizia um outro professor (Favaretto) quando fiz minha licenciatura, “não estuda filosofia porque tenha sede de verdade, mas porque procura certa seguridade e sentido no mundo e em suas atuações e palavras”. O plano pedagógico que penso sempre no início de cada ano procura seguir este caminho. Confesso que isto ocorre porque para mim isto teve algum significado, sentido, em minha vida. A partir daí, felizmente ainda na fase adulta, os por quês? não me abandonaram mais.
O nome do professor que admiro? Professor Sergio Cardoso que, ao contrário de seu famoso homônimo que era ator, tratava de coisas reais.


Tributo à "Revista Carta Capital".

Gostaria de expressar meu tributo à Revista Carta Capital, espaço de ideias-supercomplexas em uma sociedade medíocre de pensamento rarefeito.
Meu muito obrigado por tornar minhas semanas mais densas de ideias.
JC.

domingo, 26 de setembro de 2010

MAS O QUE É MESMO FILOSOFIA?



Filosofia não se ensina, ensina-se a filosofar.
Immanuel Kant.


Penso que seria muito pertinente para o trabalho no campo da filosofia, enquanto conteúdo de aprendizagem, iniciarmos pelo “princípio”. Este seria tomado como base suficientemente aceitável, que pudesse trazer aqueles para os quais tal aprendizagem será direcionada, uma preparação básica para a compreensão dos conteúdos daquela. Como dizia Hegel em sua Introdução à História da Filosofia, embora discordemos até certo ponto de tal posicionamento, o “ensino de filosofia deve se iniciar por meio da História da Filosofia”:

Na realidade, porém, tudo o que somos, somo-lo por obra da história; ou, para falar com maior exatidão, do mesmo modo que na história do pensamento o passado é apenas uma parte, assim no presente, o que possuímos de modo permanente está inseparavelmente ligado com o fato da nossa existência histórica. O patrimônio da razão autocosnciente que nos pertence não surgiu sem preparação, nem cresceu só do solo atual, mas é característica de tal patrimônio o ser herança e, mais propriamente, resultado do trabalho de todas as gerações precedentes do gênero humano. .../ Se alguma coisa somos no domínio da ciência e da filosofia, devemo-la à tradição, a qual, através do que é caduco, e por isso mesmo passado, forma, segundo a expressão de Herder, uma corrente sagrada que conserva e transmite tudo quanto o mundo produziu antes de nós (HEGEL, G. W. F. Introdução à História da Filosofia. Coimbra: Armenio Amado, 1980, tradução CARVALHO, Antonio P. CARVALHO, J. de, p. 327-328).

Concordamos com ele na medida em que para se ter uma compreensão “correta” daquela seriam necessários alguns conhecimentos básicos como preparação do terreno para tanto, mas discordamos de que tal terreno deva se iniciar, sobretudo, pela filosofia apenas enquanto história. Sendo assim, aproximamos mais da “idéia kantiana de aprendizagem filosófica” enquanto “processo”, de questionamento, no qual a filosofia não é vista como algo dado e sim como algo questionável, criticável: 

Se a elaboração dos conhecimentos pertencentes ao domínio da razão segue ou não o caminho seguro de uma ciência, isto deixa-se julgar logo a partir do resultado. Quando após muito preparar-se e equipar-se esta elaboração cai em dificuldades tão logo se acerca do seu fim ou se, para alcançá-lo, precisa freqüentemente voltar atrás e tomar um outro caminho; quando se torna igualmente impossível aos diversos colaboradores porem-se de acordo sobre a maneira como o objetivo comum deve ser perseguido: então se pode estar sempre convicto de que um tal estudo acha-se ainda bem longe de ter tomado o caminho seguro de uma ciência, constituindo-se antes um simples tatear; e já é um mérito para a razão descobrir porventura tal caminho, mesmo que se tenha que abandonar como vã muita coisa contida no fim anteriormente proposto sem reflexão (KANT, I. Crítica da Razão Pura. In Os pensadores. São Paulo: Abril Cultural, 1987, Prefácio à Segunda Edição, Tradução Rohden, V. e Moosbuger, U., p. VII.).

Desta forma, para aqueles aceitam tal desafio, pensar sobre o que seria filosofia, seria pertinente aos corajosos iniciarem sua investigação pela “pergunta-crítica” e clássica da história da filosofia: O que é o ser pensante?. Em sentido mais contemporâneo: “O que é o homem?”. Pois entendo que mais adequado seria antes de investigarmos aquele objeto, seria iniciarmos pela verificação do sujeito que pode conhecê-lo.
JC.

Culto ao pensamento...

Aqui só cultuamos o pensamento, a reflexão, pois consideramos que ele é o portal que nos leva para outros espaços para os quais almejamos encontrar e adentrar; espaços complexos, "supercomplexos", como diz Barnett. Pois ele é o mundo do conhecimento "em movimento", que nunca se completa, mas que vai construindo caminhos conhecidos...
Porém, mais do que buscar a verdade como conhecimento é olhar, os caminhos conhecidos que percorremos, sob uma nova perspectiva. É construir pelo "novo olhar" que fita "o novo":

"Uma verdadeira viagem de descoberta não é a de pesquisar novas terras, mas de ter um novo olhar" (Marcel Proust).