segunda-feira, 27 de setembro de 2010

O professor que trago na memória.


Uma corrente tradicional da psicologia, podemos dizer que a freudiana, quase estabeleceu como consenso que quando em adulto nos colocamos a rever nosso presente reconhecemos nele determinações de um passado bem distante. Fatos que nos teriam ocorrido na infância que marcariam o nosso futuro adulto. Um aspecto muito importante seria a fase escolar infantil que através de nossa proximidade com nossos professores, uma espécie de pais de primeira hora, exerceriam grande influência em nosso caráter.
Posso dizer que em se tratando de minha trajetória de vida escolar em parte esse quase silogismo faz algum sentido. Hoje, posso dizer que sofri influências de um determinado professor que marcou definitivamente minha formação. Mas ao contrário do que pregaria aquela corrente essa influência não ocorreu quando eu era criança ou adolescente e sim já na minha fase adulta.
Dos professores que guardo em minha memória, o que me faz relembrá-lo sempre que vou atuar como educador, tanto em preparação de planos pedagógicos quanto em minha atuação em salada aula, o mais importante foi um dos que tive na universidade no bacharel. Recordo-me de que ele tinha um entusiasmo quase que “mágico” em tratar dos assuntos como que se estivesse desenvolvendo, descobrindo, os mais preciosos segredos. Uma empolgação que se iniciava modestamente mas que ia tomando corpo até seu ápice.
Acredito que para mim aquelas aulas tenham me marcado profundamente porque elas me trouxeram um aspecto que considero fundamental para o desenvolvimento cognitivo do sujeito que seria o sentido das coisas, das palavras. Ali percebi que muito mais importante do que encontrar verdades absolutas era dar sentidos claros a ideias; sentidos esses que me resgatariam de um universo fechado, “silopsístico”, e me colocaria em conexão com o outro. Depois dessa experiência pude perceber que minha própria vivência passou a possuir mais finalidade, pois aquilo que sentia e sabia tornaram-se expressivamente melhor. A partir de então fui apresentado a uma das grandes finalidades da vida que é dar e encontrar sentidos para os objetos.
Isto pode parecer à primeira vista um fim religioso, ou seja, uma pessoa que encontra um meio de satisfazer e suprir seus anseios. Mas é justamente o contrário, primeiro porque o que menos existe é satisfação, já que vejo-me, como provavelmente meu professor se via, insatisfeito buscando cada vez mais suprir o preenchimento do vazio, da falta de sentido; segundo porque não digo que tomei isto como uma crença, pois não sou um objeto como receptor de verdades, mas um sujeito inquietante que se incomoda com aquilo que é posto diante de si. Porém, em parte, posso dizer que antes de ter conhecimento de que as coisas poderiam conter sentidos vivia em um universo vazio, reprodutório. Com a chegada desta “novidade” posso dizer que “meus olhos se abriram” para nunca mais se fecharem.
Posso ainda dar a impressão de que carrego comigo certa visão positivista em relação ao conhecimento, contudo penso que minha parte pragmática me resgata dessa ilusão, já que não vejo que é o método que busca por si mesmo os sentidos, mas estes são buscados pela inquietude voluntária que passou a habitar dentro de mim.
Voltando à prática do professor, ela se fazia por meio de um aspecto muito simples, pelo estabelecimento de relação entre o objeto e seu signo, isto é, o que as palavras enquanto nomes têm a ver com os objetos que elas procuram nomear em certas circunstâncias e qual sua relação com a vida real, social e política. Podemos dizer então que sua grande atenção se voltava para o uso das palavras, quase que uma visão hermenêutica, que, no entanto, ligavam-se ao sentido que elas queriam transmitir a partir de seus objetos em meio à vida real dos sujeitos.
Assim, o ponto central era procurar sentidos válidos que possibilitavam o entendimento. Entendimento este das coisas, o compreender o outro e fazer-se entender pelo outro, que de forma alguma não se colocava como verdade absoluta, pois os sentidos eram trabalhados em conjunto conosco, alunos. Suas aulas eram um debate construtivo por meio de sentidos.
            Um hábito era no início de todas as aulas retomar o assunto que foi tratado anteriormente, para a partir desse resgate sistemático inserir o tema do dia que, ao final dele, sinalizaria para o próximo assunto. Assim trabalhávamos sob uma cadeia de ideias, quase que cartesiana, mas que tinham sempre relação com o objeto real. Tais ideias não imperavam absolutamente, sempre havia uma discussão sobre qual sua aplicabilidade na vida real.
Em parte, acabei incorporando um pouco dessa prática em minha vida de educador. Acredito que o sujeito, sobretudo os adolescentes, como dizia um outro professor (Favaretto) quando fiz minha licenciatura, “não estuda filosofia porque tenha sede de verdade, mas porque procura certa seguridade e sentido no mundo e em suas atuações e palavras”. O plano pedagógico que penso sempre no início de cada ano procura seguir este caminho. Confesso que isto ocorre porque para mim isto teve algum significado, sentido, em minha vida. A partir daí, felizmente ainda na fase adulta, os por quês? não me abandonaram mais.
O nome do professor que admiro? Professor Sergio Cardoso que, ao contrário de seu famoso homônimo que era ator, tratava de coisas reais.


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