quinta-feira, 7 de outubro de 2010

É o professor que ensina ou é o aluno que aprende?



A lógica do ensinar e aprender nos dias atuais ou como diz Nóvoa na “Educação Nova” parece cada vez mais perder um pouco o seu sentido, ou melhor, recoloca-a em um novo sentido, visto que a própria concepção de conhecimento parece passar por modificações:
A ciência é, e continua a ser, uma aventura. A verdade da ciência não está unicamente na capitalização das verdades adquiridas, na verificação das teorias conhecidas. Está no caráter aberto da aventura que permite, melhor dizendo, que hoje exige a contestação das suas próprias estruturas de pensamento. Bronouski dizia que o conceito da ciência não é nem absoluto nem eterno. Talvez estejamos num momento crítico em que o próprio conceito de ciência está a modificar-se (MORIN, E. Ciência com consciência. Fayard: Points, 1990, pg. 33).
Porém, o que ela revela em parte, e que não se pode desconsiderar, é uma preocupação de se compreender a identidade dos envolvidos, iniciando pela escola, passando pelo educador que na atualidade encontra novos desafios que o envolve enquanto profissional, bem como sua prática pedagógica e seus fins. Neste sentido, Nóvoa diz que:
É preciso abandonar sonhos antigos de uma escola que seria capaz, por si só, de transformar a sociedade. Mas é preciso também fazer a crítica das teses que procuram erigir os professores em bodes expiatórios de todos os males sociais. A nova inserção da escola na sociedade tem de fazer-se em termos mais medidos, mais comedidos, num certo sentido mais modestos. A escola faz parte de uma rede institucional (...) (NÓVOA, A. Novas respostas para um velho problema. In Caderno de formação. São Paulo: UNESP, 2010, p. 33).
Percebemos que a crítica ao conhecimento leva a repensar o universo escolar sob o qual aquele contestamento seria a base de sua estruturação, ou seja, uma vez questionada a própria concepção de conhecimento surgiria a partir dela uma necessidade de se repensar a escola e tudo aquilo que a envolve, sobretudo as identidades e a relação do educador e educando.
Com essa revista, o ponto central de ligamento, o saber, entre professor e aluno fica deslocado demonstrando sua complexidade e multiplicidade sem qualquer possibilidade de pré-determinação ou redução daqueles que diante de tal saber venham desempenhar papéis.
Essa mobilidade por outro lado não quer dizer que o saber, que se encontra em meio a essa complexidade, esteja perdido em um universo vazio de sentidos ou em espaços de contradições que se negam, mas, ao contrário, que ele possui um caráter dinâmico que é trabalhado através de uma relação que se inverte constantemente entre seus interlocutores, aluno e professor, movendo-os ora para um lado, ora para o outro; ou melhor, uma comunhão dialética que revela que aquele que ensina é o mesmo que aprende e vice-versa.
Desta forma, parece certa tendência buscar cada vez mais uma identidade dessa relação que para muitos fôra perdida, sobretudo a partir do “período Medieval”, no qual se buscou congelar a concepção de mestre como algo meritamente e arrogantemente como aquele que possui o conhecimento, que se encontra em um nível superior em relação ao educando. De certa forma, essa relação sacerdócia ou messiânica, isto é, o mestre é aquele que possui o caminho da liberdade, acabou sendo cultuada e reproduzida por nossa tradição educacional ocidental inclusive em alguns casos até nossos dias atuais.
Essa busca pela compreensão dos papéis dos atores no processo educativo levou muitos dos pensadores educacionais a questionar não só tais papéis como o próprio espaço onde seria seu cenário. Poderíamos pensar aqui em Rousseau que, ainda no século XVIII, procurava descentralizar tais pontos valorizando uma pedagogia social feita pela sociedade por meio de uma liberdade de vivência.
Na contemporaneidade, percebemos que os autores que tratam de tais assuntos se debruçam sobre a revisão desses temas buscando encontrar sentidos mais claros para eles, podemos citar Gusdorf, Bakhtin, Morin, Nóvoa entre outros. E neste aspecto, atualmente, há certa tendência em aceitar o conhecimento como algo existente em todas as partes, não só entre os muros das escolas e universidades.
Nessa busca tem sido valorizada entre outras a visão socrática do processo pedagógico. Gusdorf em sua obra intitulada “Professores para quê?” (1970) nos faz repensar polemicamente sobre quais seriam os papéis dos atores na pedagogia, bem como qual o entendimento de seus objetos de trabalho.
Por um lado, a parte das polêmicas gusdorfianas, ele nos traz aquela relação pedagógica que Sócrates estabelecia com seus “alunos”; relação esta que não possuía lugar definido, mas que por meio de um diálogo ia “encontrando” ou “parindo” conhecimentos, sentidos. Por outro, essa visão não nos faria acreditar que o trabalho pedagógico não teria que ter uma preparação ensaística antes de colocá-lo em prática, pelo contrário, a partir de um esquema preparatório ou de um veio referencial ele poderia ser desenvolvido através de um direcionamento: da busca de sentidos. O educador neste caso teria como papel mais claro o de orientador, embora sua orientação dependeria das respostas de seu orientando, ou seja, ele seria estimulado por aquele que estivesse dialogando consigo ou por aquele para o qual ele, professor,  deveria estimular. Seria uma troca incessante de estímulo.
Sob esta visão parece que nosso questionamento modestamente encontra uma resposta para a pergunta que aqui nos move a pensar sobre a atividade pedagógica. Nela, a concepção de ensino é deslocada em todo momento procurando se acomodar conforme a necessidade do momento. O ponto central da relação seria o estímulo que sem o qual não seria possível continuar o debate educativo. Sendo assim, haveria uma atividade dinâmica: aquele que “ensina” é o mesmo que “aprende” a complexidade de uma concepção de conhecimento não menos dinâmica sem que isto signifique que seus atores estejam perdidos no vazio. Sob esta prática o sentido maior que é encontrar conhecimentos, dar sentidos às coisas, parece continuar latente.
JC.


Uma pequena reflexão sobre a pré-escola no Brasil.



A Pré-Escola como parte integrante do ensino básico obrigatório se configura segundo a LDB, o que podemos verificar no artigo 21 da Lei 12.013 de 2009, “(...) educação básica, formada pela educação infantil (...)”, como uma fase importante para as primeiras formações do cidadão de quatro a cinco anos. Ela que visa uma preparação para a entrada no ciclo da alfabetização é um trabalho “psico-pedagógico” que envolve tanto o desenvolvimento motor quanto psicológico da criança, como ensaio à entrada no universo das significações, simbologias do “jogo” lingüístico. Deveria ser um momento de liberdade durante o qual a criança vive suas possibilidades naturais de desenvolvimento levando em consideração sua capacidade particular de entrar naquele universo, sem esquecer dos estímulos adequados para tal inclusão.
No Brasil já podemos verificar que este tema tem sido valorizado pela sua representatividade na formação do sujeito. Ele tem, por exemplo, sido objeto de pesquisa pelo Laboratório de Observação e Estudos Descritivos da UNICAMP onde é avaliado o processo pedagógico em tal esfera. Em parceira com pré-escolas da região a instituição procura acompanhar os trabalhos que estão sendo desenvolvidos que envolvem tanto a criança quanto o educador. Podemos também pensar nos trabalhos de escolas de aplicação, como é o caso da Escola de Aplicação na USP que procura ao mesmo tempo oferecer a educação aos filhos de funcionários e alunos conciliados com trabalhos de pesquisa para avaliar a qualidade dos resultados visando suas especificidades.
Por um lado, mais do que um momento de ensino das letras e dos números o projeto deveria obrigatoriamente ser diferenciado do ensino fundamental quando a criança aos seis anos de idade é inserida no efetivo trabalho pedagógico. Ela seria uma “(...) primeira etapa da Educação Básica, sem antecipar a escolarização do ensino fundamental” (GODOI, s.d.).
Assim, o período em questão se configuraria mais como um momento de experiência no qual a criança, respeitados seus limites, deveria experimentar o início do mundo da descoberta e do conhecimento sem o “objetivo da promoção ou retenção”. Com tal prática experimental as crianças pequenas devem atuar como co-autores do trabalho, não só vistos como objetos, mas também como sujeitos em toda atividade pedagógica sendo estimuladas positivamente para criar coisas reais, com atividades manuais, e imaginárias, como falar do que está pensado, exporem seus universos psíquicos, enfim, devem atuar “como um sujeito participativo no jogo social” (idem).
Por outro, é importante mencionar que o trabalho na pré-escola se encontra inserido, conforme nos esclarece a LDB, em uma estrutura educativa que se inicia na creche e vai até o ensino superior. Ou seja, ele é parte integrante de um movimento, de um processo educacional, que deveria pressupor continuidades. Desta forma, suas características singulares, o trabalho não deveria como acontece normalmente ser isolado em si mesmo e sim participar relativamente, em relação, com o nível precedente e com o posterior. Isto garantiria uma “formação continuada” sem que houvesse quebras no processo.
Preocupados em compreender o significado da primeira fase do homem, pesquisadores brasileiros procuram olhar experiências de outrem em países que já há muito tempo pesquisam a atividade escolar infantil. E, como exemplo muito significativo de tal entendimento, é-nos apresentados trabalhos de pesquisadores italianos[1], agora objeto de análise no Brasil, que seria tomar os educadores como pensadores de sua própria prática, o que já acontecem em termos em algumas escolas de aplicação no país. Mais do que pensar sobre o outro, sobre o educando, no que diz respeito à pesquisa educacional seria importante em tal âmbito os próprios educadores à maneira de auto-avaliadores pensarem sobre si mesmos e nas atividades educacionais que têm sido colocadas em prática. O interessante da experiência diz Elisandra Girardelli Dogoi doutoranda na UNICAMP é ao invés de focalizar a criança, sem esquecer é claro de sua imprescindível importância, seria ater-se sobre os educandos e suas atividades não só vistos como objeto da pesquisa, sobretudo, como sujeitos que também se pesquisam, se auto-avaliam.
Assim, a pré-escola surge como fase preparatória imprescindível para o campo do conhecimento, o que há muito tempo tem sido observado pelo ensino privado no Brasil, mas que agora passa a estimular discussões em âmbito público.
JC.



[1] Foi publicado recentemente no Brasil pela UNICAMP um trabalho que fora executado nas pré-escolas da Cidade de Pistóia na Itália intitulado “Avaliando a pré-escola”. Esse trabalho tem sido tomado como referência para se pensar a experiência brasileira em tal fase escolar.