sexta-feira, 25 de novembro de 2011

Uma experiência educacional no Brasil: O problema do “Projeto Político Pedagógico” entre a teoria e a prática no Estado de São Paulo.

Trabalho apresentado na Universidade da Guarda/Portugal, no XI Congresso da Sociedade Portuguesa de Ciências da Educação - 2011.

José Carlos Matozinho

Mestrando do Departamento de História da Educação da Faculdade de Educação do Estado de São Paulo, São Paulo, edf@usp.br.



Resumo

O presente trabalho procura compreender a concepção de “Projeto Político Pedagógico” desenvolvido em âmbito de educação básica pública no Estado de São Paulo. Uma ação coletiva que deveria trazer novas diretrizes ao ensino no nível em questão, mas que encontra desafios para sua efetivação no dia-a-dia escolar. Aqui ela esta atrelada ao problema da burocracia estatal onde suas bases como democracia e autonomia têm sido negligenciadas colocando-a em risco em função de um modelo de organização administrativa similar ao setor privado o que, compreendemos, concorre para o fracasso daquele Projeto.

Titulo de seção: Educação, projetos e valores.



No Brasil, o Estado de São Paulo surge como a região mais rica de todo seu território. Possuidor de um total populacional de 41.262.199 habitantes em uma área de 248.196.960 km2 e com densidade demográfica de 166,25 habitante por quilômetro quadrado, dado do último Censo 2010[1] do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), é o Estado de maior Produto Interno Bruto brasileiro superando 1 bilhão de reais, o equivalente a 33,1% do país[2].

Embora com um PIB elevadíssimo, cotado entre os 20 maiores[3] do mundo, e possuidor de uma estrutura técnica equiparada a de capitais internacionais é uma das regiões brasileiras que mais apresentam problemas sócio-econômicos possuindo um déficit de moradia, segundo a Secretaria de Habitação, acima de 1 milhão e segundo o Ministério da Justiça, ocupando o 25º lugar em termos de violência[4] na confederação brasileira.

É neste contexto que emerge a problemática da educação que exporemos aqui e em cujo quadro, entre os muitos problemas que se apresentam, para além da negligência que o setor vem sofrendo quanto aos investimentos regulamentados pela Lei de Diretrizes e Bases, LDB, lei federal que rege a educação no Brasil, destaca-se a falta de uma política concisa que dê conta de abarcar a superestrutura educacional do Estado. O tratamento negligente que se nota desde a falta de estrutura adequada para o exercício da educação até os baixos salários pagos aos educadores, estabelece uma condição político-pedagógica precária para o trabalho de formação dos cidadãos.

Tendo isso em vista, esta reflexão trabalha a inadequação entre teoria e prática, Lei e realidade docente restringindo-nos ao Projeto Político Pedagógico, regimento que procura ordenar a vida escolar no Brasil, vinculado à questão da burocracia seja pública ou privada.

No que diz respeito à política educacional no país de dimensões continentais, há no geral avanços significativos na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional de 1996 e no Plano Nacional de Educação de 2001, que, embora carreguem consigo alguns problemas que emperram uma educação mais progressista, como a ênfase sobre a gestão administrativa e a fiscalização escolar, permitem e recomendam, com base nas leis internacionais de educação, um trabalho aberto à participação da coletividade na construção de uma escola que deve cumprir sua função de espaço “cultural, educacional, esportivo, social” etc.[5] Deste ponto de vista, membros diretos da educação da rede pública do Estado de São Paulo encontrariam respaldo legal para exigir do governo sua efetiva atuação no direcionamento dos recursos financeiros adequados para contribuir com a transformação do campo educacional em nível básico, embora esta dependa também de outras variáveis reais para além do campo material, como, por exemplo, o envolvimento direto dos sujeitos no processo pedagógico.

Outro aspecto muito importante é que esses mesmos regimentos regulamentam os financiamentos em âmbito nacional por meio dos órgãos governamentais FUNDEF, Fundo de Desenvolvimento do Ensino Fundamental, FUNDEB, Fundo de Desenvolvimento do Ensino Básico etc., de modo que contribuam para a concretização daquela transformação por meio do repasse de seus competentes recursos diretamente aos Estados e Municípios, conferindo-lhes certa autonomia e agilidade na transformação do quadro atual.

Por um lado, aquilo que vem para descentralizar os trâmites da administração pública, tornando-os mais acessíveis e menos burocráticos, por outro, permite os descumprimentos por parte das instâncias municipais e estaduais aos regimentos em razão de inadequações nas leis, que permitem variedades de interpretações, e da falta de uma fiscalização efetuada pelas autarquias responsáveis. Como já citado e como será visto, parte daquelas instâncias não tem cumprido os regimentos que as obrigam dar o necessário apoio ao setor da educação no país.

Assim, em meio a tais dificuldades, cabe nos perguntar sobre a realidade do que é efetivamente executado no dia a dia escolar da região brasileira em que atuamos. Indagar se o governo do Estado de São Paulo tem cumprido aquilo que é regulamentado em nível federal, como, por exemplo, o financiamento em sua porcentagem integral de 25% da arrecadação em impostos no setor educacional. Já encontraríamos aqui uma discrepância material entre aquilo que se recomenda e aquilo que se cumpre em nível de educação pública. Segundo Antonio Carlos Lacerda em “No Brasil, os estados deixam de investir R$ 1,2 bilhão na educação”[6] adverte que federações como São Paulo vêm desrespeitando o investimento real recomendado pelo regimento federal não aplicando na área de educação o fundo que lhe é destinado.

Some-se a isto, o descumprimento da LDB acerca do estabelecimento de um “Plano Estadual de Educação” para consolidar uma política educacional permanente, inclusive de investimentos, com caráter de Lei. Segundo Mariana Mandelli, para o Jornal O Estado de São Paulo (01.12.2010), o estado paulista está entre os 16 da confederação que não possuem tal Plano, o que deixa a esfera educacional desprovida de um regimento legal e a cargo de modificações implementadas através de medidas provisórias, liminares.

Porém, para melhor situar o tema que nos leva a pensar a educação no estado paulista, para além do problema de recursos, é importante enfatizar a recomendação da LDB de 1996, que o Plano Nacional de Educação de 2001ratifica: o estabelecimento do chamado “Projeto Político Pedagógico” da escola. Projeto este que deve ser construído por meio da participação coletiva que envolve colegiados, alunados, comunidade etc. na vertente política de diálogo, participação e formação de sujeitos.

Segundo Maria Baffi, recuperando teóricos brasileiros da educação, como Veiga e Savianni:



O projeto pedagógico tem duas dimensões, como explicam André (2001) e Veiga (1998): a política e a pedagógica. Ele "é político no sentido de compromisso com a formação do cidadão para um tipo de sociedade" (André, p. 189) e “é pedagógico porque possibilita a efetivação da intencionalidade da escola, que é a formação do cidadão participativo, responsável, compromissado, crítico e criativo". Essa última é a dimensão que trata de definir as ações educativas da escola, visando a efetivação de seus propósitos e sua intencionalidade (Veiga, p. 12). Assim sendo, a "dimensão política se cumpre na medida em que ela se realiza enquanto prática especificamente pedagógica" (Saviani, citado por Veiga, 2001, p. 13). Para Veiga (2001, p. 11) a concepção de um projeto pedagógico deve apresentar características tais como:

a) ser processo participativo de decisões; b) preocupar-se em instaurar uma forma de organização de trabalho pedagógico que desvele os conflitos e as contradições; c) explicitar princípios baseados na autonomia da escola, na solidariedade entre os agentes educativos e no estímulo à participação de todos no projeto comum e coletivo; d) conter opções explícitas na direção de superar problemas no decorrer do trabalho educativo voltado para uma realidade especifica; e) explicitar o compromisso com a formação do cidadão (BAFFI, 2002).



Vemos um deslocamento profícuo de responsabilidade que consistiria na possibilidade da execução da transformação escolar - que antes era exclusivamente governamental, devido ao seu caráter normativo e à forma de financiamento - através de uma concreta participação social na construção da educação. Uma participação comunitária na construção do conceito e prática de escola:



(...) com o foco na legislação educacional vigente, depreende-se que é da escola a tarefa de elaborar o Projeto Político Pedagógico. Para tanto, precisa de apoio dos órgãos e instâncias intermediárias do sistema educacional, que devem fornecer à escola subsídios, parâmetros, para que a equipe escolar, entendida como conjunto de professores, do pessoal técnico-administrativo, dos pais e dos alunos, possa decidir sobre as formas e os modos de levar adiante o trabalho educacional, responsabilidade dessa mesma equipe, uma vez que um dos seus objetivos é a afirmação ou a construção simultânea da identidade da escola (PALMA f., 2010, p. 51).



Desta forma, mesmo que o tal apoio governamental de subsídios não seja completamente efetivado, como vimos ocorrer anteriormente, obstáculo que não se deve negligenciar, o Projeto Político Pedagógico abriria ainda a oportunidade para a comunidade educacional “determinar” o ambiente escolar por meio da contribuição coletiva interna e de entorno, “democrático-paticipativa”, pelas mãos daqueles para os quais a escola deve fazer sentido. É o momento no qual o espaço escolar e suas margens podem e devem atuar, decidir e construir.

Porém, um problema similar ao que se dá em muitas instâncias governamentais que se perdem em suas práticas de burocratização da ação dos sujeitos, a contradição entre aquilo que se prescreve e aquilo que se concretiza, ou seja, entre o que é normatizado e o que é executado, pode ocorrer também no ambiente escolar visto que ele, como espaço público, participa daquelas instâncias. A despeito de possuir teoricamente certa autonomia em sua construção, ele continua atrelado, pela lógica burocrático-regimentar e de fiscalização dos órgãos públicos e privados, ao cumprimento das exigências burocráticas do Estado e das instituições privadas internacionais. Na prática, sua ação é regulada pelos órgãos que financiam a educação no Brasil, quais sejam, autarquias Federal, Estadual, Municipal ou mesmo órgãos privados internacionais, como o BIRD e o Banco Mundial, através de modelos adotados do setor privado como regimento administrativo eficiente.

A esse respeito, a educação no Estado de São Paulo se encontra na atualidade restrita às diretrizes de um “projeto de modernização”, “estratégia”, “eficiência”, “racionalização” e “administração”, que tem encontrado apoio do governo acerca de paradigmas como: “adoção do modelo de planejamento estratégico, que se apóia na racionalização e na eficiência administrativa” (FONSECA, p. 303, 2003) de maneira muito similar ao “taylorista” adotado pelas empresas. Cabe lembrar que até a gestão anterior a Secretaria de Educação do Estado era gerida por profissionais que atuaram no Banco Mundial.

Um projeto que se pauta no caráter de autonomia segundo o entendimento neoliberal, que dá importância excessiva à administração própria do funcionamento empresarial que emerge da direção escolar como forma única de se alcançar resultados “satisfatórios”: “a liderança equivocadamente vem sendo apontada como elemento nuclear para o fortalecimento da autonomia escolar, contrariando a perspectiva de participação, sendo atribuída prioritariamente ao diretor” (idem, p. 305) de escola sob a fiscalização das Diretorias de Ensino.

Isso faz do diretor um representante autoritário local e imediato do poder governamental. Um braço estendido do centro regulador, portanto, contrário à ideia de autonomia no interior da escola, nas relações entre corpo docente e discente e na relação dela com seu exterior, a comunidade que a cerca, e o Estado, que a fiscaliza e pune. Segundo Marília Fonseca, isto revela um “modus operandi do setor privado” (idem) em âmbito público que, pautado por uma ideia teórica de autonomia, impõe na prática a reprodução reguladora da administração privada em uma relação simples de trabalho e hierarquias.

Vê-se que um dos grandes desafios da Política Educacional no Estado em questão, e que, alerta a pesquisadora, se apresenta claramente em outros estados brasileiros, é a democratização real de gestão e participação da sociedade na educação, bem como a efetiva inserção coletiva daqueles que atuam pedagogicamente no processo educativo:



Na medida em que recupera princípios e métodos da gerência técnico-científica [a organização escolar de cunho taylorista] fragmenta as ações escolares em inúmeros projetos desarticulados e com “gerências” próprias, facilitando a divisão pormenorizada do trabalho, com nítida separação entre quem decide e quem executa as ações (idem, p. 311).



Neste contexto, há uma necessidade de se pensar na adequação do ambiente escolar em relação às suas reais necessidades a partir de todos os esforços que a envolvem direta ou indiretamente, incluindo neles desde a lei que a regulamenta, os investimentos que lhe garantem vida e, sobretudo, a prática pedagógica escolar nas atividades reais que se desempenham nela por colegiados, alunados e comunidade.

Em outras palavras, no intento de revisão dos sentidos dos conceitos autonomia e democracia naquele âmbito, os quais possibilitariam aquela adequação, é urgente a criação de condições que possam contribuir para a efetivação na prática do universo geral teórico da educação. Ou seja, é necessário direcionar tudo aquilo que é de caráter teórico, regimento legal, proposta político-pedagógica, objetivos educacionais, estrutura escolar do trabalho, fundos de investimento etc. para a sua possibilidade real de prática concorrendo para o paradigma político-participativo pela aproximação entre autonomia e democracia.

Diante disso, parece-nos que um dos grandes entraves à aproximação dos conceitos citados anteriormente refere-se justamente à introdução de aspectos contraditórios no teor dos próprios regimentos públicos ou privados. Que os separa ou os acomoda desarranjadamente em uma relação conflituosa e introduzindo, muitas vezes, em seu próprio conteúdo, a dificuldade de realizá-los. Por exemplo, a norma que recomenda a participação democrática no processo educativo, é a mesma que determina a relação de hierarquização, de separação, entre os membros envolvidos em função de seu caráter técnico-administrativo. Assim, temos na teoria uma regulamentação que traz em si mesma a dificuldade objetiva de sua realidade. Uma inadequação na teoria e entre ela e sua prática.

Assinala-se uma faceta da concepção burocrática pública, cuja resolução só pode ser o seu desaparecimento ou substituição. Um conflito que, em se tratando de política educacional no Estado de São Paulo em tempos contemporâneos marcada pela globalização, mostra a necessidade de tornar determinados setores públicos mais eficientes na medida em que evidencia sua burocratização. Esta, resultado de uma lógica que o capital privado evidenciaria, seria o argumento para transgredi-la no intuito de torna o setor educacional mais produtivo, que, no entanto, é ampliada de maneira igualmente excessiva, por meio da imposição de regras de conduta, hierarquização, fiscalização, metas imediatistas e punição.

Marília Fonseca ao estudar as políticas baseadas nas diretrizes do PDE, Plano de Desenvolvimento da Escola, aplicadas nos estados do Norte, Nordeste e Centro-Oeste de modo similar ao que se faz nos outros estados brasileiros, como o Sudeste, revela que se vem implementando nas regiões um modelo que tem acomodado novas burocracias:



O planejamento escolar sustentado por essa orientação valoriza, principalmente, o preenchimento de quadros, fichas, formulário do funcionamento da escola, de prestação de contas e questionário de avaliação do desempenho da escola (idem, p. 310).



Como então adequar os preceitos do processo educativo que visa à inserção do alunado na sociedade por meio do conhecimento, da cultura, da autonomia e da democracia a uma determinação lógica preconcebida de “eficiência mercadológica” própria da empresa privada?

Semelhante processo está inevitavelmente obrigado a contemplar aquelas bases de cunho burocrático que no novo modelo posto atualmente de educação devem servir à sua “utilidade” prática que tem por horizonte uma “eficiência” baseada na produção de mercado capitalista. O privado, então, passa equivocadamente a determinar de antemão o público a partir das experiências administrativas, metaforicamente, usadas nas “linhas de produção”.

Outros problemas que decorrem dessa relação, sob o conceito de “eficiência”, são as novas representações que adquirem a concepção de “autonomia” e de “democracia” da gestão educacional atrelada ao business world.

A primeira, em tese, conforme o princípio da “autonomia”, dá ênfase à capacidade administrativa da escola e a intelectual dos indivíduos envolvidos no sentido de “emancipá-los” em relação à ação direta das instâncias Federal, Estadual e Municipal. Deve-se, por isso, aliviá-las, por exemplo, da responsabilidade de alocar a totalidade dos recursos necessários para manter o espaço escolar e a formação contínua dos educadores que nelas atuam. A escola por sua capacidade administrativa deve construir seu próprio caminho na arrecadação de fundos para completar a renda faltante sem contar com sua totalidade vinda por intermédio do Estado. Isto cria a ilusão de suspensão da tutela daquelas autarquias sobre seu processo de construção material, o que no limite seria uma autonomia inverossímil, pois a unidade escolar tem que prestar contas diariamente sobre os recursos que entram e os que saem. O resultado disso é o afastamento dos recursos públicos devidos e a abertura de oportunidade para as empresas privadas ocuparem os espaços escolares e uma tutela dissimulada por parte do Estado e de órgãos privados que criam novos mecanismos de controle de sua gestão e administração.

A segunda, conforme o princípio de “democracia”, visaria a participação coletiva do corpo escolar mais a sociedade civil em todos os processos que envolveriam a educação; uma comunhão que só existe prescritivamente em regimentos e documentos, como, no Projeto Político Pedagógico, já que o quadro escolar deve ser formado sob a lógica da hierarquização na relação do trabalho, de um único meio diretor.

Já é possível verificar que isso converte a prática escolar desempenhada no Estado de São Paulo em um emaranhado confuso de determinações, regimentos, objetivos, regulações etc. com dificuldades de levá-la à autonomia e muito menos à democracia.

Essa perspectiva parece constituir uma tentativa de submeter esses princípios a um “modelo” apresentado como aquele capaz de substituir ou superar a forma de organização pública, taxada como ineficiente, por meio das últimas novidades das teorias da administração empresarial, que surgem como emplastro para os “problemas de natureza público-burocrático”.

No geral, atreladas aos modelos propostos de inovações organizacionais, aparecem novas burocracias; “a proposta burocrática (...) vem se fortalecendo nas escolas” (idem) na medida em que as leis regimentares e de fiscalização de cunho técnico-científico se sobrepõem ao Projeto Político Pedagógico. E isto traz algumas consequências para o discernimento entre aquilo que deve ser oferecido como direito social e aquilo que deve ser vendido como mercadoria.

Nesta situação são confundidos dois princípios contrários como se fossem um único, ainda que marcados por características bem distintas no que diz respeito às suas quantificações e qualificações:

Primeiro, o princípio da formação e a inserção do homem na sociedade através do conhecimento e da cultura, as quais não se pode se medir, pois não são resultados de uma linha de produção, visto que o cidadão não é avaliado pela “quantidade” de aspectos que denotem sua cidadania, mas pela “qualidade” de seu “ser social” no acesso aos seus direitos. Assim, este acesso não pode ser quantificado, como se faz com ações do mercado financeiro, mas apenas qualificado.

Segundo, o princípio de “eficiência” do trabalho técnico, quantitativo, que é atrelado à atividade educativa, qualitativa, não técnica, em um erro de entendimento que confunde essas duas formas de atividade e toma ambas sob a perspectiva do lucro que pode ser medido e avaliado através daquela concepção que revela a alta ou baixa produtividade ou rendimento.

Nessa inverossímil relação, que, na essência, é uma contradição, poderíamos ser levados hipoteticamente a aceitar descuidadamente, como as sucessivas políticas educacionais no Estado de São Paulo têm aceito nas últimas décadas, a incorporação da lógica da estrutura administrativa de caráter privado no setor público, porque, em primeiro lugar, a escola também possui uma organização administrativa, e, em segundo, porque, como diz Palma, em uma sociedade capitalista o Estado também passa a se estruturar sob a égide do capital:



É da natureza do modo de produção capitalista, a incessante busca de novos processos tecnológicos que viabilizem o incremento da produção. Essa característica, aliás, tem garantido a sua longa sobrevivência (Ianni, 1995). Nos dias atuais, é nesse contexto que atua o estado capitalista (PALMA f., p. 11, 2010).

  

Assim, a experiência administrativa do capital passaria a determinar a pública, o que temos visto acontecer no contexto de política no Estado aqui examinado.

O problema que observamos em tal cozedura da administração pública e privada é que ela engloba duas formas de relação bem distintas entre seus membros:

Se no Estado o que se visa segundo a legislação é a democracia participativa do processo educacional, incluindo aí sua gestão, o mesmo não ocorre na produção do capital privado, pois as relações que se estabelecem nela estão sob a perspectiva da hierarquia entre aqueles que detêm o poder e aqueles que obedecem. Nesta, no limite, em um ambiente profissional, por exemplo, haveria a possibilidade da participação sugestiva, mas não de decisão, votação. E mesmo neste caso muitas vezes seria uma sugestão outorgada pelo superior imediato e não aquela que é pautada pelo comprometimento com a iniciativa democrática e a decisão coletiva.

Por outro lado, verossimilmente, haveria sim, em ambos os casos público e privado, uma autonomia intelectual, mas não haveria neste o espaço para a exposição e ação espontâneas de caráter democrático-participativo, e sim individual permissiva dentro dos limites que a hierarquização permite, o que seria possível na escola sob a perspectiva do Projeto Político Pedagógico caso seus princípios fossem realmente aplicados.

Ao que parece é através dessa vinculação ou tentativa de adequação que as instâncias governamentais e privadas de investimento vêm tentando acomodar a Política Educacional, razão porque têm surgido vários problemas para sua efetivação. O que para muitos pesquisadores e críticos tem demonstrado até agora não ser o melhor caminho:



Em meus estudos anteriores (FONSECA, 1995 E 2001) mostrei que, em mais de 30 anos de experiência no âmbito da educação básica, os resultados práticos dos acordos [entre o BIRD e os governos brasileiros] não justificam seus recursos e suas continuidades (FONSECA, p. 313-314, 2003).



Se o intuito atualmente é a participação e a democratização da educação, como poderia dar certo uma relação que se estabelece sob o modelo “técnico-administrativo” recomendado pelos órgãos mundiais de desenvolvimento usado no setor empresarial privado, que visa uma eficiência quantitativa e que ainda promove novas burocracias?

Este parece ser um importante problema a resolver, latente no setor educacional no Estado em que atuamos e verificável em outros da confederação brasileira, demonstrando que se trata de uma política partidária de governo que se alia aos modelos prescritos pelas instituições internacionais. O que ocorre, segundo Fonseca, também em âmbito federal desde a década de 1970 através do Ministério Brasileiro da Educação. Em princípio, os órgãos competentes concedem financiamento e auxílio técnico através de modelos prontos sem levar em consideração as condições locais e abstendo-se de acompanhar todo o processo de transformação que propõem:



Além dos prejuízos financeiros, merece atenção o fato de que os poucos ganhos que podem ser atribuídos aos projetos internacionais não duram mais que o tempo de execução desses projetos, especialmente quando ocorre cancelamento de crédito e o projeto deve encerrar-se prematuramente, conforme já ocorreu com três acordos entre o Brasil e o BIRD para a educação básica. Estas evidências ilustram o caráter transitório e fugaz da cooperação internacional, no que diz respeito às ações educacionais propriamente ditas. O mesmo não se aplica à questão do financiamento: ao ser encerrada a execução de um determinado projeto, o processo de pagamento da dívida continua em exercício por vários anos. O primeiro acordo MEC, Ministério Brasileiro da Educação/BIRD para a educação técnica, cujas ações foram encerradas em 1978, encontra(va-se) ainda em fase de exercício financeiro no início do século XXI, isto é, o país (...) pag(ou) juros e taxas até o ano de 2004, conforme cláusulas no acordo inicial (idem, 315).



Assim, concluímos que a nova lógica - que não possui grandes modificações em relação à anterior, visto que tem sido tendência manter e reformular os ditames neoliberais, sobretudo no âmbito dos países em desenvolvimento - procura determinar uma ação de fragmentação em relação ao Projeto Político Pedagógico criado pelas escolas públicas no Brasil e consequentemente no Estado de São Paulo. Uma recomendação que deveria transformar o cotidiano educacional e que fica a meio caminho quando encontra já em sua criação os entraves para que ela não se realize efetivamente: a impossibilidade da democracia e da autonomia para além de suas utilidades práticas para o mercado. Uma prescrição que se contenta, ao que parece, apenas com a existência conceitual sem se concretizar na realidade.




Bibliografia



ARRETCHE, M. T. S. Políticas Sociais no Brasil: descentralização em um estudo federativo. São Paulo UNESP, s.d.

BAFFI, Maria Adélia T. Projeto Pedagógico: um estudo introdutório. Petrópolis: Pedagogia in Foco, 2002.

FONSECA, M. O Projeto Político Pedagógico e o Plano de Desenvolvimento da Escola. Campinas: UNICAMP, CAD. CEDEDS, v. 3, n. 61, dez. 2003.

LACERDA, A. C. No Brasil, os estados deixam de investir R$ 1,2 bilhão na educação. In Pravda Ru Brasil, 2010.

MARQUES, L. R. O Projeto Político Pedagógico e a construção da autonomia e da democracia na escola nas representações sociais dos conselheiros. In Educ. Soc. Campinas, v. 24, n. 83, p. 577-597, agosto, 2003.

MONFREDINI, I. O Projeto Pedagógico em escolas municipais analise da relação entre autonomia e manutenção e/ou modificação de praticas escolares. In Educação e Pesquisa. São Paulo, v. 28, n. 2, p. 41-56, jul/dez, 2002.

NOVOA, A. “Relação Escola/Sociedade Novas respostas para um velho problema”. In Formação de professores, Introdução à Educação. São Paulo: UNESP, V.1, 2010.

PALMA f., João C. “Impacto da globalização nas Políticas Publica em Educação”. In Formação de Professores, Introdução à Educação. São Paulo: UNESP, V. 2, 2010. Idem. “A autonomia da Escola e a Construção do Projeto Político Pedagógico”.







[1] Dados do IBGE 2010: http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/censo2010/default.shtm.
[2] Dados do PIB por Estado: http://lista10.org/miscelanea/os-10-estados-que-mais-e-menos-contribuem-para-o-pib-do-brasil-2010/; http://www.integraglobal.net/blog/o-estado-de-sao-paulo-representa-33-do-pib-nacional/.
[3] Dados sobre o ranking dos Estados e cidades mundiais por PIB:
http://www.logisticadescomplicada.com/ranking-do-pib-mundial-brasil-e-outros-paises-comparados/; http://origin-pwc.pwc.com/pt_BR/br/sala-de-imprensa/assets/release-cidades-mais-ricas-portugues-nov09.pdf.
[4] Dados sobre a violência por Estados: http://edsonram.blogspot.com/2011/02/alagoas-e-1-estado-no-ranking-da.html.
[5] Sobre o assunto ver: FONSECA, 2003.
[6] Fonte: Pravda Ru Brasil 12.05.2010.

Nenhum comentário:

Postar um comentário